Especialistas dizem que, ao cortar custos, é proibido cortar valor. Para isso, deve-se olhar para o futuro – em esg e inovação
Por Heinar Maracy
Em tempos de vacas magras, a ordem é cortar custos, certo? Sim, mas não se pode esquecer de outra ordem que vem em seguida: é proibido cortar valor em vez de custo. A confusão entre custo e valor ainda acontece com bastante frequência em organizações brasileiras. Não acomete apenas empresas, mas certamente toda empresa precisa preservar e até iniciar certos investimentos, sob pena de sair da crise bem pior do que entrou.
Porém, com o dinheiro mais curto, quais investimentos devem ser priorizados? A resposta já está na ponta da língua de muitos gestores: aqueles em valor futuro e que, por isso, aumentam a reputação e o valor presente. São os aportes em negócios inovadores, como startups e empresas digitais, e em iniciativas socioambientais, o E e S da sigla ESG. Em um futuro com liberdade e com segurança.
O volume de dinheiro aplicado nessas duas áreas foi às alturas durante a pandemia. No primeiro quadrimestre de 2021, as startups brasileiras receberam aportes de US$ 2,3 bilhões cerca de 66% do que foi investido em todo o ano de 2020, segundo dados da Distrito, e 79% do total de 2019. (Note o leitor que houve aumento entre 2019 e 2020.)
“Inovar é a nova forma de se manter relevante”, explica Bruna Losada, professora e vice-dean da Saint Paul Escola de Negócios e autora do livro Finanças para startups.
O mesmo se verificou na frente ESG.“O investimento social privado, que mobilizava entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões por ano no Brasil, saltou para R$ 7 bilhões nos últimos 12 meses”, diz Marcel Fukayama, diretor-executivo do Sistema B Internacional e sócio do Grupo Anga & Din4mo. O Sistema B certifica empresas comprometidas com questões sociais e ambientais.
HSM Management detalha a seguir os porquês e comos desse investimento em valor futuro.
As empresas aderem ao Blended Finance
Existem três vetores que estão levando as em-presas a abraçar práticas ESG. O primeiro são os consumidores, que estão cada vez mais informados, conscientes e responsáveis. Depois, os colaboradores, cuja atual geração é motivada principalmente por atuar em empresas de impacto positivo e os maiores talentos cada vez mais escolhem seus empregadores. Por fim, mas não por último, os investidores, que cada vez mais alocam seu capital em iniciativas que gerem impacto social e ambiental positivo. Ou seja, empresas que não se adequarem a esse modelo correm o risco de perder mercado, talentos e capital.
Além disso, o que acontece no mundo sempre influencia o que acontece no Brasil, e o investimento ESG vem crescendo expressivamente em todo o mundo. De acordo com dados da Bloomberg Intelligence, ele hoje está ao redor de US$ 30 trilhões e pode chegar a US$ 50 trilhões em 2025.
Também está havendo um amadurecimento dos gestores em relação ao ESG. Como diz o diretor-executivo do Sistema B, percebe-se que “não basta ter uma gestão de risco ambiental, social e de governança; ela precisa ser complementada com a geração de impacto positivo por meio do aporte de recursos para geração de impacto positivo previsto no modelo de negócio da empresa”. Fukayama explica que a geração de impacto é o que complementa as práticas ESG na companhia e lhes dá consistência. “Sem gerar impacto positivo, o ESG acaba sendo um voo de galinha, um greenwashing 2.0.”
Isso explica a ascensão, no mundo e no Brasil, da modalidade “blended finance” de investimento o financiamento misto, em que as empresas combinam seus recursos com investimentos públicos e filantrópicos para impulsionar projetos sustentáveis. O blended finance permite multiplicar a escala do capital alocado e seu impacto. Ao tornar as fragilidades sociais e ambientais mais visíveis a todos, “a pandemia favoreceu a expansão de investimento desse tipo”, diz Fukayama.
O Sistema B propõe às empresas, inclusive, mudar o estatuto social para incorporar uma linguagem legal ESG no objeto social, vinculando a responsabilidade de dever fiduciário dos administradores com a geração de impacto positivo.
E cresce o “venture capital” corporativo
O vetor que está fazendo as empresas investirem em startups é o impacto da crise sobre os hábitos de consumo e o estilo de vida. “A transformação rápida provocada pela pandemia alertou as empresas para a importância de se pensar no novo para se manter relevante”, diz Bruna Losada. O impacto também foi no jeito de pensar no novo. O investimento nos departamentos de pesquisa e desenvolvimento internos deu lugar, em grande medida, à aquisição de startups. Afinal, em parceria com elas, é possível gerar resultados mais rápidos, além de despender menos recursos mesmo que se ganhe menos no futuro. Têm sido utilizados, para esse propósito, os corporate venture capitals (CVC), fundos de investimento corporativo dedicados a utilizar verbas das empresas para investir em inovação. “A pesquisa e desenvolvimento interno vai continuar existindo sempre, mas inovar por meio de aquisições acelera o processo e faz com que, em menor espaço de tempo, seja possível trazer mais inovações para dentro de casa, o que aumenta a competitividade da empresa no curto prazo”, diz Losada.
O MERCADO DE VENTURE CAPITAL CORPORA-TIVO JÁ VEM CRESCENDO muito há uma década no mundo, mas, no Brasil, esse desempenho é mais recente. Liderando o ranking das empresas compradoras no País está o Magazine Luiza, que adquiriu seis startups este ano, seguido por Locaweb e Nuvini. O velho M&A (sigla em inglês para fusões e aquisições veja artigo na pág. 34) deu origem ao segmento CVC e virou uma estratégia de inovação.
"Conteúdo originalmente publicado na Revista HSM Management Edição 147".